Comentários sobre a Lei nº 14.010/2020 – Lei da Pandemia

COMENTÁRIOS SOBRE A LEI 14.010/2020 – LEI DA PANDEMIA – E SUAS CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS NO DIREITO PRIVADO.

 

 

 

Ante o atual cenário de incertezas desta pandemia (COVID-19), a qual vem assolando quase todo o planeta, cada País, Estado e Município, vêm adotando medidas visando a contenção da proliferação do vírus.

Desde a chegada do surto ao Brasil, diversos atos foram publicados, decretos, portarias, recomendações, e até a lei nº 13.979, intitulada de Lei da COVID-19, todos estes prevendo medidas destinadas ao enfrentamento da situação emergencial.

Entretanto, saindo do “mérito” da pandemia, entramos num aspecto prático que será enfrentado por este texto, qual seja, as consequências deste vírus no Direito Privado. Isso porque, por mais que já fosse clarividente o impacto de todo esse caos nesta seara, ainda não haviam sido fixados parâmetros legais para a regulamentação de questões que foram prejudicadas pela pandemia.

Por isso, visando instituir normas, mesmo que de caráter transitório, fora concentrado esforços em torno da criação de uma lei, que pudesse reger e socorrer os particulares.

Nesse sentido, fora criado o novo diploma legal, intitulado como Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (covid-19); Lei nº14010/2020, nomeada Lei da Pandemia.

Inicialmente cumpre ressaltar que, a lei nº14.010/2020 não altera nem revoga nenhum artigo de qualquer outra lei, tendo em vista seu caráter  transitório, portanto, apenas suspende normas que se mostrem incompatíveis com o momento vivido, sendo assim, somente os fatos acontecidos nos período de vigência do RJET serão regidos por este.

A referida lei, embora publicada em 10 de junho de 2020, trouxe como marco inicial a data do decreto legislativo nº 6, o qual reconheceu a notoriedade da revolução causada pelo vírus, decreto este que fora publicado em 20 de março de 2020, sendo esta, portanto, a data que dá início a aplicabilidade do teor lei da pandemia.

Pois bem, embora o RJET não tenha trazido alterações radicais, algumas são bastante pertinentes e merecem atenção, tanto para o cidadão, quanto para o operador do direito.

Elencando as modificações trazidas pela lei na sequência dos capítulos desta (capítulo I, fora descrito no parágrafo anterior, versa sobre as disposições gerais e alguns outros foram vetados), temos o seguinte:

 

Capítulo II – DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Com relação a suspensão dos prazos prescricionais e decadenciais no período disposto em lei, esta teve como fundamentação, para o legislador, o fato de que, ante a grave situação socioeconômica desencadeada pelo COVID-19, seria necessário a aplicação dessa paralisação dos prazos, visando assim resguardar o interesse jurídico dos credores em geral.

Fora considerado que, o momento não seria propício para a aplicação das diligências necessárias para resoluções de problemas, que muito menos seria viável a produção de certas provas, o que geraria óbices as partes e aos advogados, para proporem ou instruírem ações judiciais.

Dessa maneira, ficara definido que, entre o dia 20 de março de 2020 e 30 de outubro de 2020, os prazos prescricionais e decadenciais, ficam suspensos ou impedidos.

 

Capítulo III – DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO

No tocante as pessoas jurídicas de direito privado, ficou estabelecido que as assembleias gerais, poderão ser realizadas por meio eletrônico até o dia 30 de outubro de 2020, independentemente de haver previsão nos atos constitutivos desta pessoa jurídica.

Cumpre ressaltar que, esta “assembleia online” produzirá todos os efeitos da assembleia presencial, afastando qualquer nulidade da falta de encontros físicos.

O administrador está autorizado ainda à definir qual será o meio eletrônico utilizado para a realização, entretanto, este meio deve garantir a identificação e segurança dos votos de todos os participantes.

 

Capítulo V – DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Este capítulo trouxe a possibilidade da suspensão de aplicação do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, na hipótese de entrega domiciliar (delivery), nos casos de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos.

 

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

 

O referido artigo, tem como fundamento o direito de arrependimento, isso porque o legislador entendeu que, nos casos de aquisição de produtos, sem que o consumidor o veja presencialmente, nem tenha acesso à auxilio técnico para a compra ou a exaustão de informações sobre este, merece ter o direito à um prazo (7 dias) para reflexão,  para saber se o que fora adquirido, era o que o consumidor realmente esperava, podendo, em regra, desistir da aquisição sem qualquer ônus.

Pois bem, no intuito de dar um pouco mais de segurança aos fornecedores, nesta situação de incerteza e instabilidade, este artigo da Lei da Pandemia, regulamentou que, estaria suspenso o “direito de arrependimento” do consumidor, em regra, nos casos de bens perecíveis ou de consumo imediato (ex: comida pedida por delivery), e de medicamentos. A suspensão, pela lei, estará em vigor até 30 de outubro de 2020.

CAPÍTULO VII – DA USUCAPIÃO

Já na usucapião, o RJET dispôs que, ficam suspensos os prazos para aquisição de propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, até o dia 30 de outubro de 2020.

Tal artigo possui fundamento idêntico ao da suspensão dos prazos prescricionais e decadenciais, visto que, não se pode fluir prazos     de modo a prejudicar os credores em geral.

 

Capítulo VIII – DOS CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS

Assim como estabelecido no capítulo III, o legislador entendeu que, as assembleias condominiais e respectivas votações, podem ocorrer, até 30 de outubro de 2020, por meios virtuais, sendo, portanto, a manifestação dos condôminos nestas reuniões, equiparada a assinatura presencial.

Nos casos dos condomínios, ficou estabelecido ainda que, em caso de impossibilidade da realização de assembleia virtual, os mandatos dos síndicos, vencidos a partir de 20 de março de 2020, ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020, restando consignado que, a prestação de contas regular pelo síndico é obrigatória, sob pena de destituição.

 

Capítulo X – DO DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES

No ordenamento jurídico brasileiro, a única espécie de prisão civil admita é por descumprimento voluntário e inescusável da obrigação legal de pagar alimentos.

Com relação a isto, o RJET trouxe posicionamento bastante relevante, visto que, em seu artigo 15, estabeleceu que até 30 de outubro de 2020, essa hipótese de prisão civil, deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo, claro, da exigibilidade das respectivas obrigações.

É consectário lógico da interpretação do artigo, que o legislador visou diante do alto perigo de contágio (COVID-19), priorizar o direito a saúde e a dignidade da pessoa humana.

 

No direito das sucessões, com o falecimento do autor da herança, o código civil estabelece que dentro 2 (dois) meses, deve ser iniciado o processo de inventário e de partilha, e que este deverá ser finalizado dentro de 12 (doze) meses.

No RJET o legislador estabeleceu que, para as sucessões abertas (morte do autor da herança) a partir de 1º de fevereiro de 2020, o termo inicial será estendido para 30 de outubro de 2020. Ficando suspenso ainda, o prazo de 12 (doze) meses para o encerramento do processo de inventário e partilha.

Esta normatização, subentende-se que, deu-se por conta do cenário de turbulência trazido pela pandemia, dificultando assim, como nos demais, a produção e levantamento de provas e dados, assim como a realização de diligências, ou seja, praticamente os mesmos aspectos estabelecidos nos capítulos anteriores.

 

O presente texto não tem intuito de esgotar os aspectos trazidos pelo RJET, tendo somente o condão de trazer os aspectos mais relevantes e que mais gerarão impactos diretos e imediatos ao cotidiano, tanto do operador do direito, quanto de todo e qualquer cidadão.

 

Caio de Aguiar Vitório França

Sócio – AACC Advogados

Advogado, especialista Direito Civil e Direito Processual Civil.